quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Indelicadeza igual a decadência?

Assim, entre a quantidade de grandes virtudes do gênero Bem, Belo, Verdadeiro, Justo, procuraremos em vão uma minúscula virtude capaz de produzir efeitos magníficos. O BEM, sim, mas como? De que modo? Dissertar com ídolos maiúsculos afasta-nos da realidade que é, no entanto, o terreno de toda a intersubjetividade ética. (...)

A delicadeza fornece a voz de acesso às realizações morais. Pequena porta de um grande castelo, ela conduz diretamente ao outro. Que diz? Afirma diante do outro que o vimos. Logo, que ele é. Segurar uma porta, praticar o ritual das fórmulas, perpetuar a lógica das boas maneiras, saber agradecer, acolher, dar, contribuir para uma alegria necessária na comunidade minimal - dois - eis como fazer ética. Criar a moral, encarnar os valores. O saber viver como saber ser.

A civilidade, a gentileza, a doçura, a cortesia, a urbanidade, o tato, a boa-vontade, a reserva, a complacência, a generosidade, o dom, a despesa, a atenção, tantas variações sobre o tema da moral hedonista. O cálculo hedonista supõe, assim como o cálculo mental, uma prática regular precisamente para gerar a velocidade necessária. Quanto menos praticarmos a gentileza, mais ela se torna difícil de concretizar. Inversamente, quanto mais a ativamos, melhor ela funciona. O hábito supõe o adestramento neurológico. Fora do campo ético, não encontramos senão um campo etológico. A indelicadeza caracteriza a selvageria. As civilizações mais pobres, mais sombrias, mais modestas, dispõem de regras de delicadeza. Só as civilizações divididas, em risco de desaparecer, submetidas por outras mais fortes, praticam a indelicadeza em larga escala (...)
*Michel Onfray

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